Nos anos mais recentes temos assistido a uma redefinição do que conhecemos no curso do amortecedor nas suspensões. Exemplos? Damos-te dois bem “opostos”, por assim dizer: o que a Trek fez há uns meses no seu modelo de XC mais recente, a inovadora Supercaliber com um sistema de 60 mm; e o que vemos na grande novidade da Scott neste momento, a Spark RC com amortecedor com 120 mm de curso.

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É notório que a categoria de XC (Cross Country) não se tem destacado, de uma forma geral, por introduzir inovações profundas nos sistemas de suspensão. Talvez as necessidades nestas bicicletas se encontrem mais focadas noutros aspetos, pois sempre foram necessárias grandes reatividades e acelerações para termos comportamentos mais rápidos em competição.

Ou seja, os avanços têm sido mais no sentido de tornar as bicicletas cada vez mais leves e rígidas, o que permite aos atletas aproveitarem ao máximo o seu potencial. Em muitos casos, por estas mesmas razões, as hardtail são a preferência.

No entanto, ao serem delineados circuitos de XC e XCO com uma componente muito técnica em campeonatos mundiais e até nacionais (por vezes quase parecem percursos tirados de provas de enduro ou freeride!), notamos uma viragem a 180 graus neste panorama: há fabricantes a mudarem por completo os sistemas de suspensão das suas bicicletas de XC e maratonas.

Está quase a fazer dois anos desde que a norte-americana Trek trouxe ao mundo um sistema de suspensão traseira “diferente” no seu modelo premium mais recente para XC: a Supercaliber. Podes ler sobre as nossas experiências com esta bike na review completa que publicámos na GoRide Magazine #01, na altura em que ainda publicávamos a revista digital. Ou então neste artigo de hands-on.

Trek Supercaliber

Trek Supercaliber 9.8 2021

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Nesta fantástica bicicleta, a figura de 100 mm de curso (que até então havia sido sempre mostrada como padrão) foi reduzida para 60 mm. Por outro lado, e apenas há poucos dias, a Scott lançou a nova versão da sua montagem para XC mais competitiva, a famosa Spark RC.

Scott Spark RC 2022

Aqui, os aclamados 100 mm de curso foram aumentados para 120 mm, mantendo ainda uma geometria decididamente XC. Este curso é o dobro dos 60 mm da Supercaliber e nós, como muitos, perguntamos-nos qual das duas opções será a mais adequada para competição. E também para uma utilização normal das voltas ao fim de semana!

Os 60 mm na Trek Supercaliber

O que a Trek faz nesta bicicleta é tentar combinar um comportamento muito semelhante ao de uma hardtail (com as vantagens que ela traz) com a absorção na roda traseira fornecida por um sistema de suspensão dupla.

Para isso, o sistema de suspensão foi “minimizado” até ao limite, para que o peso não aumentasse e pudesse ser mantido em registos semelhantes aos de uma bike rígida. A redução do número de componentes pretendia dar uma extrema rigidez ao triângulo traseiro, para que as perdas de transferência de força para a roda fossem mínimas.

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Para isso, a Trek desenhou um triângulo baseado numa só peça, que está fixado diretamente no amortecedor sem qualquer tipo de elo entre esses dois elementos.

Pormenor do sistema Isostrut da Trek, este caso na Supercaliber.

Este tipo de sistemas, que no início eram chamados de pivô único, sofriam da progressividade necessária para um comportamento moderadamente aceitável. A Trek, em colaboração com a Fox, projetou um amortecedor, o Isostrut, que proporciona o comportamento normal das convencionais bielas, ou seja, uma progressividade que dá firmeza durante as fases de pedalada e absorção quando a bicicleta assim o requer.

Com tudo isso, uma rigidez extraordinária é alcançada principalmente na fase de pedalada pura e forte, em que as torções laterais começam a aparecer.

Como não há links, a relação de deslocamento é pequena, e então o amortecedor deve absorver ou fornecer o deslocamento total para a roda; é por isso que sistemas sem links com um curso muito grande não podem ser utilizados. A única hipótese seria recorrer a amortecedores muito longos, algo indesejável para o XC, dado que é necessário mais rigidez e reatividade.

Portanto, o sistema disponibiliza assim 60 mm, já que a Trek entende que para uma prática de XC é mais do que suficiente: ultrapassar pequenos buracos, saltos e degraus de raízes é algo que pode ser absorvido principalmente pela suspensão frontal, sendo a traseira mais um suporte para o comportamento total da bike.

A sensibilidade a pequenas irregularidades neste esquema projetado pela Trek também é notável, uma vez que o braço posterior está diretamente ligado ao amortecedor e alinhado com as forças que vêm dele, devido à sua fixação superior. Funciona, pelo que tivemos oportunidade de experimentar.

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Benefícios deste sistema com 60 mm:

  • Peso mais reduzido e mais rigidez.
  • Menos manutenção, pois há menos pivôs.
  • Comportamento muito semelhante ao de uma hardtail (com 60 mm não se sente “quebra” no suporte nas fases de pedalada).

Os 120 mm na Scott Spark RC 2022

O recente lançamento da nova Spark RC surpreendeu tudo e todos ao apresentar um sistema de suspensão traseira “escondido” dentro do quadro, uma tecnologia que foi buscar à Bold, marca/empresa adquirida há uns tempos pela Scott.

Os eventuais benefícios trazidos por este sistema serão comprovados ao longo do tempo, à partida, mas é evidente que um deles é a proteção do amortecedor face à sujidade que provém da roda traseira, prevendo-se desde já uma maior duração de todos os componentes.

Outro dado a destacar é o facto de se ter conseguido “puxar” o peso do sistema mais para junto do eixo pedaleiro, baixando assim o centro de gravidade da bicicleta; isto, segundo a marca, permite mais rapidez nas mudanças de direção, assim como mais maneabilidade.

Mas, além desta nova tecnologia, também é notório um novo e maior curso: aumenta de 100 mm do anterior modelo para os 120 mm desta nova aposta. Ficamos a pensar se o objetivo da Scott não será atribuir a esta bike o rótulo de downcountry…

Mas olhando detalhadamente para as especificações e para a geometria, desconfiamos que este aumento no curso da suspensão ocorreu principalmente para proporcionar um rendimento extra nos circuitos de XC desta nova geração, numa tentativa de nunca perder a reatividade necessária em competição.

A ideia de implementar 120 mm de curso permite ter mais absorção aos impactos, especialmente em zonas complicadas ou em grandes saltos. Algo anteriormente desconhecido ou mesmo ausente no XC, mas que atualmente já abunda nos traçados dos circuitos mundiais…

É onde a maioria opta por bikes de suspensão total em vez de hardtail que a Spark poderá estar um ponto acima das bikes com 100 mm. E dois pontos acima da Supercaliber com 60 mm.

Mais, a Spark RC  tem outro trunfo na manga, sendo este já conhecido dos anos anteriores: o sistema TwinLock, que com um comando no guiador permite ajustar a suspensão traseira em três modos: totalmente bloqueada; “solta” a 70%, a pensar nas subidas técnicas e zonas rolantes com obstáculos; e totalmente desbloqueada, no modo a que se chama Descend Mode.

Estes ajustam chegam mesmo a alterar ligeiramente a geometria da bicicleta com modificações no curso traseiro, como se tivéssemos várias bikes numa só!

Benefícios deste sistema com 120 mm:

  • Proteção total do amortecedor, algo que permite intervalos de manutenção mais intervalados.
  • A localização do sistema consegue concentrar o centro de gravidade em torno do eixo pedaleiro, trazendo mais maneabilidade e velocidade nas reações.
  • O curso mais longo da suspensão vai dotar a Spark de mais aptidão para enfrentar saltos ou terrenos muito difíceis nas descidas, isto sem perder a reatividade na pedalada.
  • O sistema TwinLock permite explorar os 120 mm de curso com a possibilidade de ajustar o grau de bloqueio e a geometria da bike (em função das características do percurso a cada momento).

Conclusão: qual o sistema mais eficaz?

Poder ter uma bike como a Scott Spark RC para competir em circuitos muito técnicos é uma tranquilidade. Se um atleta também conseguir ter uma Scale RC (das melhores hardtail do portfólio da marca) para quando é preciso, então aí é fantástico!

Mas o “comum dos mortais” nestas coisas das bicicletas de BTT raramente tem poder financeiro para ter duas “companheiras”, pelo que é aqui que entra uma opção com a Trek Supercaliber.

Temos de admitir que a maioria dos praticantes de XC e BTT em geral não precisam de uma bike que ande perto desta nova categoria apelidada de downcountry, pelo que podem não precisar de algo tão “irreverente” como a Scott Spark. Apesar de sermos fãs das aptidões desta bicicleta, é um dos modelos que utilizamos muitas vezes…

Além disso, ainda existe um grande número de BTTistas que preferem as sensações de uma bike rígida a altas velocidades em percursos técnicos ou singletracks. Aqui, a Supercaliber e os seus 60 mm de curso podem ser perfeitos, já que temos boas sensações juntamente com a performance de uma hardtail e a segurança de uma suspensão total.

Mas não há um veredicto e uma conclusão claros, isso é certo. Como sempre, a recomendação principal que podemos fazer é… experimentar! Analisar o tipo de voltas que se dá, conversar com quem já tem bicicletas de um ou de outro tipo, tentar perceber o que melhor se adapta ao teu gosto e estilo de condução de uma bike.

Seja como for, o mais importante é que ambos os conceitos proporcionam sensações fantásticas em cima da bicicleta, isto não menosprezando os também muito bem conseguidos sistemas de suspensão total que outras marcas apresentam e que não mencionamos neste artigo.

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