Quais as diferenças entre as cinco geometrias básicas de uma bicicleta de estrada? Vejamos a resposta sob o ponto de vista científico e não comercial. Primeira parte de um completo artigo criado por Nuno Gama, mentor do Orbis Lab.

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Uma bicicleta de corrida, uma “pasteleira” ou uma BTT. Já lá vão os dias em que a escolha de uma bicicleta passava apenas por estas três categorias. Hoje, a categorização das bikes tomou outra dimensão que veio trazer dúvidas e desorientação à maioria dos utilizadores…

Basta acederes ao site de algumas marcas de bicicletas para perceberes o estado caótico em que se encontra este tipo de mercado. Há uma determinada marca, por exemplo, que disponibiliza as seguintes categorias: e-bikes, e-bikes de BTT, BTT hardtail, de suspensão total e trail, fat bikes… Para a estrada, há as race, endurance, aero… Há ainda ciclocrosse e gravel. E depois as híbridas, urbanas, fitness, triatlo, aventura e viagem, mulher e criança.

Esta forma de categorização de um veículo cujo design atual não sofre grandes alterações desde o seu aparecimento, há 135 anos, torna-se por vezes demasiado ambígua. Ora vejamos: das 18 categorias de bicicletas oferecidas pela marca apenas uma é dedicada a mulheres, o que implica que, nos dias que correm, as mulheres apenas possam escolher bicicletas presentes na sua categoria.

Curiosamente, as bicicletas inseridas na categoria destinada às senhoras são as mesmas que estão inseridas nas outras categorias, o que sugere que as marcas podem estar um pouco desorientadas com as suas próprias categorias.

Geometria das bikes de estrada

Neste artigo focamo-nos apenas em bicicletas de estrada, abordando o tema de um ponto de vista biomecânico. Vamos aqui ver o que é o reach (ou alcance) e o stack (ou altura) do quadro e o que são coordenadas fit. Num próximo artigo, a segunda parte deste conteúdo irá comparar as diferentes geometrias de quadros no que diz respeito a cinco categorias de bicicletas de estrada: race, endurance, aero, cyclocross e gravel.

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Neste artigo focamo-nos apenas em bicicletas de estrada, abordando o tema de um ponto de vista biomecânico.

Mas primeiro vamos falar de como se quantifica uma bicicleta em termos de dimensões… Uma maneira simples de olhar para uma bicicleta é torná-la um objeto bidimensional num plano cartesiano, em que o BB se insere na origem do gráfico (ver imagem abaixo). Desta forma, qualquer ponto na bicicleta pode ser determinado através de um vetor projetado a partir da origem, como por exemplo o ponto “A” na imagem, que tem como coordenadas x = 3 e y = 4 (as unidades não importam muito para este exemplo).

geometria das bikes de estrada

Representação gráfica de uma bicicleta num plano cartesiano. Com a origem no BB, a distância para cada ponto é dada pelas coordenadas (x,y).

As medidas usadas por nós, cientistas biomecânicos, e por bike fitters hoje em dia são o stack (ou altura) e o reach (ou alcance). O stack é definido como a distância do centro do tubo da cabeça de direção até à interseção de uma linha projetada horizontalmente que passa pelo centro do BB.

O reach, por sua vez, é definido como a distância desde o centro do tubo da cabeça de direção até a interseção de uma linha projetada verticalmente que passa pelo centro do BB. Estas definições podem parecer um pouco confusas, mas vejamos a imagem abaixo. Para medir estas variáveis é necessário a utilização de um nível laser que projete uma cruz centrada no BB.

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geometria das bikes de estrada

Stack, ou altura, e reach, ou alcance, do quadro de uma bicicleta, medidos a partir de projeções com origem no centro do BB.

Depois, com uma fita métrica ou uma régua determina-se a distância desde o ponto pretendido até à projeção da linha laser. Mas atenção para não se cometerem erros de paralaxe. É necessário que a medição seja feita na horizontal caso estejamos a determinar o reach ou na vertical no caso do stack.

Claro que para determinar estas variáveis é necessário ter algum tipo de equipamento como um nível laser, algo que a maioria das pessoas não tem por casa. Por essa razão, os laboratórios de bike fit (e laboratórios científicos como o Orbis Lab, ver mais à frente) usam coordenadas que são medidas apenas com uma fita métrica e que correspondem a coordenadas do fit inerente a cada indivíduo.

Para obter as coordenadas de fit é necessário usar o stack e o reach do guiador, o que inclui já as variáveis introduzidas pelo avanço (comprimento, ângulo, espaçadores e ângulo da cabeça da direção). Existe também o stack e o reach do selim, variáveis que veremos mais tarde.

As coordenadas de fit podem ser replicadas de bicicleta para bicicleta e são fáceis de determinar.

As coordenadas de fit podem ser replicadas de bicicleta para bicicleta e são fáceis de determinar; contudo, não nos ajudam a comparar geometrias de quadros. As medidas de stack e de reach do quadro são-nos fornecidas pelos fabricantes de bicicletas e não incluem os componentes, por isso a comparação entre quadros é feita com precisão, já que basta existir um BB do qual partem os vetores de medição para que o stack e o reach possam ser medidos aplicando o mesmo método, seja qual for a bicicleta.

Ângulos vários

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Além de coordenadas de stack e reach, existem variáveis do quadro com bastante importância biomecânica e que temos de considerar nesta comparação entre geometrias. Estas são o ângulo do tudo do selim, ou seja, o ângulo que o tubo do selim faz com uma linha horizontal projetada a partir do BB, e a altura do tubo da cabeça de direção. O ângulo da cabeça de direção é uma variável de fit porque apenas tem um impacto no stack e reach quando passarmos a adicionar espaçadores, como vemos na imagem.

Medida do ângulo do tubo do selim.

Muitas vezes é usado o top tube para tirar ilações sobre o tamanho e a geometria do quadro, contudo esta medida apresenta uma variabilidade estrema em termos físicos (muitos top tubes hoje em dia possuem um ângulo e a sua dimensão efetiva não corresponde à dimensão medida) e em termos de medição (não há um consenso entre marcas onde medir este top tube, pelo que cada marca possui uma dimensão de top tube que poderá não corresponder com o que o ciclista mede fisicamente no seu quadro).

Altura da cabeça de direção e top tube.

Em suma: existem dois tipos de coordenadas. Coordenadas que precisamos para comparações entre geometrias (a altura ou stack e o alcance ou reach do quadro) e coordenadas que usamos em bike fits e em avaliações biomecânicas para definir a posição do ciclista na bicicleta (coordenadas de fit).

Na 2ª parte deste artigo comparamos então os vários tipos de geometrias de bicicletas usando o stack e o reach. Vamos ver a diferença entre cada geometria, bem como as suas características, e vamos tentar perceber a finalidade dos vários segmentos, seja esta de um ponto de vista biomecânico ou de marketing. Se quiseres saber se uma bicicleta aero é muito mais agressiva na sua posição do que uma bicicleta de endurance, então lê a 2ªparte deste artigo:

Em direto do Orbis Lab, em Glasgow, Escócia!

O Orbis Lab é uma criação do português Nuno Gama, autor deste artigo e amigo da equipa GoRide, e um estúdio de bike fit localizado em Glasgow, na Escócia. Neste espaço e com a ajuda do Nuno, um ciclista amador ou profissional pode aumentar a eficiência e o conforto na bicicleta, enquanto minimiza o risco de fadiga precoce e lesões. Vale muito a pena ver todos os vídeos que o Nuno coloca no YouTube frequentemente:

Nuno Gama é o fundador do ORBIS LaB, um laboratório de pesquisa biomecânica e performance desportiva baseado m Glasgow, na Escócia. O Nuno é doutorado, perito em biomecânica e eletrofisiologia, e é uma pessoa extremamente acessível. Aprecia falar sobre ciência e desporto e adora a sua família, os seus cães, as suas guitarras e os seus cubos de Rubik. A bicicleta do Nuno é uma Fuji SL 1.0 de 2017 com Ultegra 8000 e rodas Mavic Cosmic Pro de pista em alumínio.

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