Terminou a carreira de ciclista com um pelotão a prestar homenagem na Volta a Portugal e, principalmente, a mostrar o respeito e carinho que tinha por Gustavo Veloso. Meses depois iniciou o ciclo de diretor desportivo. E que maneira de começar!

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A Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados é uma das equipas em destaque no arranque de temporada em Portugal, com Veloso a ser um dos homens do leme. Agora no carro, quer ajudar a inovar, mas sem esquecer o trabalho de Pedro Silva no desenvolvimento desta estrutura.

Foto: João Fonseca Photographer

Em 2021, a equipa viveu grandes momentos, com vitórias importantes, mas também sofreu ao perder o homem que há muito liderava a estrutura, sempre muito dedicada à formação de jovens ciclistas, mesmo quando passou ao escalão Continental.

“Não vejo o legado do Pedro como um peso. Vejo o legado do Pedro como um caminho feito. Ele meteu uma filosofia dentro da equipa de trabalho, de disciplina, de organização, de ser humano, onde contas com todas as manias que temos como pessoas. Ele também teria as suas e tinha fama de ser duro, mas quando todos os que saem daqui só falam bem dele, mesmo sendo duro, é porque tinha de ter um coração muito grande”, recordou Veloso ao GoRide.pt.

Mas é tempo de olhar para o futuro. Veloso considera que é importante “continuar o que o Pedro tanto lutou para a equipa chegar onde chegou no ano passado e manter essa linha de trabalho”, mas com a sua chegada à equipa estar-se-á perante algumas inevitáveis mudanças.

“Eu tenho uma mentalidade dentro do ciclismo mais moderna. Sou de uma geração a seguir ao Pedro. O Xavier [Silva, filho do Pedro Silva e diretor desportivo adjunto] também tem uma mentalidade mais moderna”, afirmou.

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Foto: João Fonseca Photographer

“Nós podemos inovar coisas no ciclismo que se calhar o Pedro nunca viveu com isso. O Xavier a nível de informático é muito bom, percebe muito disso. E podemos sempre tentar inovar com a tecnologia que há 20 anos não existia”, acrescentou, referindo pontos essenciais como “haver mais organização dentro da equipa, gerir melhor os meios que tem, a nível económico e humano”.

Porém, o que mais destaca é o “liderar um grupo de pessoas”. “Era algo que como atleta estava habituado a fazer. O líder não é só quem ganha as corridas, mas faz com que a equipa se mantenha unida, o que faz quando ganha, ganhem todos. [O líder] mete uma filosofia dentro da equipa. Fiz isso como atleta e espero fazer isso como diretor, mas sempre com a ajuda dos atletas”.

A transição de ciclista para diretor desportivo

Veloso tem agora 42 anos e não hesita em dizer que estava na altura de colocar um ponto final na carreira de ciclista. Claro que há sente saudade dos tempos de atleta, com exceções.

Foto: João Fonseca Photographer

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Esta conversa decorreu em duas fases. Antes da estreia como diretor desportivo na Prova de Abertura Região de Aveiro e depois. Nesse dia de glória, com Leangel Linarez a vencer, proporcionando o arranque perfeito de temporada para a Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados, a chuva marcou esse domingo de fevereiro.

Consegui como atleta muito mais do que achei que ia conseguir quando saltei a profissional. Saí satisfeito, orgulhoso e contente. Muito contente.

“Não tinha vontade de andar a molhar-me. Não tinha saudades nenhuma dessas corridas”, confessou. Mas, antes, quando se perguntou como estava a ser a transição de ciclista para diretor desportivo, realçou: “evidentemente que há momentos em que tenho saudades de quando era ciclista, de ir treinar. Sobretudo tenho saudades dos amigos com que eu treinava diariamente, das corridas. Tenho a certeza que amanhã vou ter essa saudade de estar no pelotão, de ver os antigos colegas, cumprimentar, as risotas”.

E referiu ainda: “agora estou noutra função, com a cabeça noutro lado, o que não significa que não vá cumprimentar o pessoal, mas a cabeça está ocupada com outras coisas”.

Foto: Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados

“Também abandonei a carreira como ciclista na altura que eu quis. A minha cabeça já pedia para abandonar. Fisicamente sabia que ainda poderia aguentar dois/três anos com um bom nível, mas já não tinha cabeça para conseguir sacrificar tudo o que é preciso para sacrificar para continuar a ser ciclista profissional”.

Veloso sente falta da parte social, mas reiterou que deixou o ciclismo saturado: “foram 21 épocas, é muito ano, é meia vida!” Saturado, mas feliz. Para o antigo atleta, abandonar quando e como quis foi mais um triunfo na sua excelente carreira.

“Não foi por ficar sem equipa ou por lesões. Consegui como atleta muito mais do que achei que ia conseguir quando saltei a profissional. Nunca pensei que ia conseguir o que consegui. Saí satisfeito, orgulhoso e contente. Muito contente. Ganhei corridas, ganhei o respeito dos amigos e dos rivais e isso foi mais uma vitória. Se calhar, o mais importante. No final, tenho de estar orgulho da minha carreira”, frisou.

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A homenagem de despedida na Volta

Veloso foi uma das figuras do ciclismo nacional nos últimos anos. Esteve oito temporadas na estrutura da agora W52-FC Porto, tendo ganho duas Voltas a Portugal (2014 e 2015) e ficado perto de conquistar mais. Porém, a terceira vitória nunca chegou. Foi segundo em 2016 e 2020, perdendo para dois companheiros de equipa, Rui Vinhas e Amaro Antunes, respetivamente.

Foto: Volta a Portugal

Em 2013 também ficou nessa posição, novamente atrás de um colega, desta feita Alejandro Marque, que reencontrou na Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel, equipa onde se despediu como ciclista. Foi ainda terceiro em 2019. O vencedor? Mais um companheiro: João Rodrigues.

Será que ficou alguma frustração por não ter alcançado a tão desejada terceira vitória: “Não. As coisas acontecem porque têm de acontecer. Eu sei que por forças poderia ter ganho quatro ou cinco Voltas, mas não se ganha apenas por força. Há outras circunstâncias. Às vezes ganha-se mais perdendo e sendo colega do que ganhando e indo contra os teus próprios princípios. As vezes que fui segundo, foi sempre atrás de um colega de equipa”.

Penso que renunciava a alguma corrida antes de renunciar a essa mostra de carinho que todo o pelotão teve comigo. E não foram só os ciclistas, foram todos à volta do ciclismo.

“Houve umas edições em que os colegas eram mais fortes, outras era eu mais forte, mas sempre com respeito. E isso não é só no ciclismo, é para a vida. Quando conseguimos respeitar os demais, é quando respeitamos a nós próprios e que conseguimos que nos respeitem”.

Foto: Volta a Portugal

Veloso pode ter tido uma carreira que o tornou numa das figuras do pelotão português. Porém, conta com vitórias marcantes, como a conquista da Volta à Catalunha em 2008 e uma etapa na Vuelta em 2009, ao serviço da Xacobeo-Galicia.

Mas, ao marcar o ciclismo por cá, na Volta a Portugal de 2021 o pelotão e toda a caravana que o acompanha, uniu-se para uma última homenagem. “Claro que tocou. Nesse momento, todas aquelas pessoas que eu levei anos de trabalho, cada um na sua função… Quando se ganha esse calor, esse respeito de amigos e rivais… O que eu digo é que tive de fazer algo bem para ter esse reconhecimento. Isso orgulha-me tanto como o palmarés que eu tenho”, afirmou.

Foto: Agnelo Quelhas/Podium Events

E foi mais longe: “se me derem escolher o que preferia ter… Penso que renunciava a alguma corrida antes de renunciar a essa mostra de carinho que todo o pelotão teve comigo. E não foram só os ciclistas, foram todos à volta do ciclismo. Aconteceu na Volta, no JN, nas redes sociais, os adeptos de outras equipas… Isso enche-me muito como pessoa!”.

No papel de diretor desportivo

Veloso começou a criar um novo respeito no papel de diretor desportivo. Chegou e venceu. “Melhor não poderia ser [o início]. Melhor só se o [António] Barbio não tivesse caído. Foi incrível. É sempre importante começar assim a época, com uma vitória, para dar motivação”, disse sobre a vitória de Linarez na Prova de Abertura.

Entretanto, a Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados viu João Matias a sagrar-se rei da montanha da Volta ao Algarve. Mesmo não sendo um trepador nato, foi um Matias lutador, rodeado de uma equipa que se uniu para o ajudar a alcançar o feito.

Arranque de sonho para Veloso. E a época ainda não tinha começado e Veloso descrevia as sensações da sua nova função: “Está a ser muito gratificante. Estou a desfrutar muito. Sou diretor desportivo porque gosto de ciclismo e porque queria estar aqui. Partindo dessa base que estou a fazer algo que eu gosto, estou a desfrutar, há que trabalhar – como tudo na vida -, mas quando se trabalha em algo que se gosta, custa menos! Para já, estou muito contente com a equipa que tenho, os atletas, como estão a correr as coisas, o ambiente que há… Está tudo a sair bem”, refere.

Não tem planos para onde quer chegar como diretor desportivo porque o importante para Veloso é o presente. “Quero desfrutar o dia a dia, não sei o que vai acontecer amanhã, nem vou pensar o que vai acontecer dentro de dez anos”, disse.

Objetivos de temporada

Gustavo Veloso quer manter a senda vencedora que a equipa conheceu em 2021, mesmo tendo perdido corredores importantes como Iúri Leitão e Joaquim Silva, e que já se revelou em 2022. No entanto, avisou que não se resume tudo a vitórias.

“O Pedro [Silva] sempre soube que esta é uma equipa de formação e era uma equipa que, acima de ciclista, formava pessoas. E isso não tem a ver com vitórias. As vitórias num ano chegam, noutros não”.

“Aqui o que se tenta incutir é o trabalho, a disciplina, dignificar os nossos patrocinadores da melhor maneira possível. Temos de nos adaptar. Quando tens uma equipa de formação e tens grandes atletas que conseguem ganhar muito, é normal que vão embora”.

“O que temos é de voltar a fazer é formar mais atletas. Dentro disto, é fazer o melhor possível, sempre dignificando os nossos patrocinadores. Não se dignifica os patrocinadores apenas com vitórias. Sabendo estar na vida também faz muito”.

E Veloso recorda mais um ponto da sua despedida como ciclista: “no final da minha carreira, todas as homenagens não foram por ganhar corridas, foi pela postura que eu sempre tive como atleta na bicicleta e fora dela. E isso também é aquilo que nesta equipa se tenta transmitir aos jovens. Por isso é que eu também estou aqui. Não é pelas corridas que eu ganhei…”.

A Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados vai este domingo tentar dar continuidade à boa época de 2022 na Clássica da Arrábida. Os eleitos são: António Barbio, Bruno Silva, João Matias, Gonçalo Carvalho, Francisco Morais, Nicolas Saenz e Rui Carvalho.

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Imagem principal: João Fonseca Photographer

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