Apesar da evolução evidente ao nível do treino, da análise de dados e do material na prática de ciclismo, as decisões alimentares continuam, muitas vezes, a não acompanhar a exigência real do esforço. É aí que entra a importância da nutrição no ciclismo…

PUB
Novidades Trek 2026

Foi a partir desta constatação que surgiu a conversa entre o GoRide e Pedro Meirinhos, nutricionista desportivo com vasta experiência em ciclismo, com o objetivo de esclarecer alguns dos princípios fundamentais da nutrição aplicada à modalidade.

Sem fórmulas milagrosas ou abordagens extremas, aqui ficam cinco ideias chave, sustentadas pela evidência científica e pela prática diária com atletas. Todas elas podem ajudar a enquadrar melhor o papel da nutrição no ciclismo, no rendimento e na adaptação ao treino.

Hidratos de carbono continuam a ser o pilar do rendimento

No ciclismo, enquanto desporto de resistência, os hidratos de carbono mantêm-se como o principal combustível. Pedro Meirinhos não deixa margem para dúvidas: “Os hidratos de carbono são o nutriente que mais deve ser valorizado num atleta de resistência”.

Quanto maior a duração ou a intensidade do esforço, maior é a dependência deste substrato energético.

Um erro frequente passa por iniciar treinos exigentes com uma ingestão energética insuficiente. Estratégias de baixo consumo de hidratos existem, mas não podem ser aplicadas de forma aleatória.

PUB
Equipamentos GSG

“O atleta não deve partir para um treino com baixa ingestão de energia se procura rendimento. As restrições só fazem sentido quando estão bem planeadas dentro do macro e do microciclo”, explica.

A adaptação digestiva assume aqui um papel central. Testar diferentes fontes, formatos, texturas e marcas de produtos de suplementos alimentares em treino permite reduzir riscos de problemas gastrointestinais e melhorar a capacidade de ingestão e posterior digestão em contexto competitivo.

“Se o atleta treinar e se adaptar a esses consumos, quando chegar a prova vai conseguir fazê-lo quando a exigência aumentar”, acrescenta.

Nem todos os treinos pedem o mesmo consumo de “hidratos”

Uma das mensagens mais relevantes prende-se com a necessidade de ajustar a nutrição ao tipo de treino realizado.

Sessões curtas e de baixa intensidade não exigem o mesmo aporte energético que treinos longos ou intervalados. “Nem todos os treinos precisam do mesmo consumo de hidratos”, sublinha Pedro Meirinhos.

PUB
Cube Litening Air

Em zonas de menor intensidade, como Z1 e Z2, pode fazer sentido reduzir a ingestão de hidratos e estimular uma maior utilização da gordura como fonte de energia.

Treinos em jejum ou com baixo aporte de hidratos enquadram-se neste contexto, desde que devidamente planeados. “Esse trabalho pode ajudar a poupar glicogénio para os momentos mais intensos”, refere.

À medida que a duração e a intensidade aumentam, a ingestão de hidratos por hora torna-se determinante. Até cerca de uma hora de treino, não se observam benefícios claros no rendimento com a ingestão de hidratos.

Entre uma e duas horas, valores entre 30 e 60 gramas por hora são adequados. De duas a três horas, o intervalo sobe para 60 a 90 gramas por hora.

Em esforços mais prolongados, acima das duas horas e meia ou três horas, atletas bem treinados podem beneficiar de consumos na ordem das 90 a 120 gramas por hora, ou até superiores.

Este processo deve ser gradual. “Não se passa para 90 ou 120 gramas de um dia para o outro. Isso treina-se”, alerta o nutricionista. A partir das 60 gramas por hora, torna-se fundamental combinar diferentes tipos de açúcares.

A inclusão de frutose, absorvida por um transportador diferente da glicose e da maltodextrina, permite aumentar a quantidade total de hidratos ingeridos sem saturar o sistema digestivo.

É neste contexto que surgem rácios como 1:0,8 ou 1:1 entre glicose e frutose, comuns em estratégias de ingestão elevada.

PUB
Beeq E-Bikes

Recuperar bem passa também pela proteína

No período pós treino, a prioridade deve ser a reposição de hidratos de carbono, sobretudo quando existem sessões próximas ou vários dias consecutivos de carga. Ainda assim, a proteína desempenha um papel decisivo no processo de recuperação e adaptação.

Pedro Meirinhos alerta para a confiança excessiva em produtos comerciais de recuperação. “Muitos recuperadores têm muito pouca proteína para aquilo que é necessário naquele momento”, afirma.

Mais importante do que recorrer a fórmulas específicas é garantir boas fontes proteicas nas refeições e lanches ao longo do dia.

Carne, peixe, ovos e laticínios são fontes de proteína elevada qualidade, mas as proteínas de origem vegetal também podem cumprir o mesmo papel quando consumidas em quantidades adequadas e bem combinadas.

O objetivo passa por estimular a síntese proteica, reparar os tecidos danificados e permitir que o atleta recupere de forma eficaz para o treino seguinte.

Hidratação continua a ser um fator crítico

Apesar de muitas vezes relegada para segundo plano, a hidratação tem um impacto direto no rendimento. “A desidratação é um fator de fadiga tão importante como a falta de glicogénio muscular”, lembra Pedro Meirinhos.

Ainda assim, muitos atletas continuam a ingerir volumes de líquido insuficientes ou pouco adequados ao esforço realizado.

Beber apenas água nem sempre é suficiente. Bebidas com eletrólitos, especialmente com uma presença relevante de sódio, promovem uma hidratação mais eficaz.

Em treinos ou provas com duração superior a uma hora, faz sentido recorrer a bebidas isotónicas ou soluções com sais minerais.

Para atletas com elevada taxa de sudorese ou suor mais salgado, as necessidades de sódio podem situar-se entre 250 e 500 miligramas por hora, aumentando em condições de calor ou humidade.

Garantir um bom estado de hidratação antes do treino é igualmente essencial. Uma urina clara fornece um indicador simples desse estado.

Uma abordagem prática para quantificar perdas passa por pesar o atleta antes e depois do treino, registando a ingestão de líquidos e também as perdas através da urina. “Perdas superiores a 3 a 4% do peso corporal já comprometem seriamente o rendimento”, alerta.

A cafeína também pode ajudar…

Apesar de simples e amplamente conhecida, a cafeína continua a ser uma das ajudas com maior suporte científico no ciclismo. O seu principal efeito passa pela redução da percepção de esforço, permitindo ao atleta sustentar intensidades mais elevadas com menor sensação de fadiga.

Para maximizar os benefícios, a cafeína deve ser ingerida cerca de uma hora antes do momento em que se pretende obter o pico de efeito. “O pico surge aproximadamente uma hora após a ingestão e depois começa a descer”, explica Pedro Meirinhos.

Em provas mais longas, pode ser vantajoso recorrer a pequenas doses adicionais, entre 50 e 100 miligramas, ao longo do tempo.

A dose de referência situa-se entre 3 e 6 miligramas por quilo de peso corporal, mas a resposta varia significativamente entre indivíduos.

“A cafeína é uma suplementação muito individual, muito dependente do perfil do atleta”, conclui. Como em qualquer estratégia nutricional, a regra mantém-se: testar em treino antes de aplicar em competição.


Crédito das imagens:
DR / Unsplash / Pixabay / Envato

Também vais gostar destes!